Não conseguimos estancar a hemorragia de areia que faz nosso querido símbolo da cidade se esvair. É lamentável a escalada de descaso que nossos políticos vêm tratando Natal e o RN desde sempre. É injusto colocar toda a culpa nos líderes atuais do executivo. São inúmeros mandatos de fraco resultado que nos fizeram chegar nesse Estado de atraso.
— Você não nasceu ontem — Nossos problemas, também não.
Não é leviano falar que não temos grandes políticos, pois para isso teríamos uma grande cidade e um grande estado. Nada disso é verdade. Não podemos confundir grandes grupos políticos com o grande político. Medimos um grande profissional pela grandeza de sua obra. Seja um empresário, engenheiro, médico ou qualquer outra profissão. Temos uma grande cidade? Não. Temos um grande Estado? Nem fale. ACM fez a Bahia; Tasso Jereissati fez o Ceará, Miguel Arraes, Pernambuco. Renan Calheiros, Alagoas — Logicamente que eles não fizeram sozinhos, e outros políticos ajudaram, mas para ilustrar o raciocínio, serve o exemplo.
— Temos que melhorar muito para sermos ruins.
Nem o arquipélago de Fernando de Noronha, que deveria ser incorporado ao RN pela proximidade, nós conseguimos — perdemos vergonhosamente. Também não conseguimos construir uma cidade ou Estado próspero sob nenhum aspecto, nem econômico, nem político, nem social. Falta educação, segurança, transporte, saneamento, moradia e saúde. Agora, vem o bizarro, não tivemos a competência de pelo menos manter nossas belezas naturais, que são presentes de Deus. Vamos perder o Morro do Careca.
Peço licença ao leitor para ir ao passado explicar o poder de um símbolo. Antigamente, nas guerras romanas, gregas, napoleônicas, entre outras, seus exércitos portavam estandartes, que eram uma espécie de bandeira, flâmula ou águia que simbolizavam o país, a cidade ou região. Pois bem, o estandarte era protegido a todo custo, e perder em batalha significava uma desmoralização tremenda. Muitos se sacrificavam e davam suas vidas para defender o estandarte, pois era o símbolo máximo de sua gente.
— O Morro do Careca é o nosso estandarte.
Muito mais que um símbolo, hoje, o Morro do Careca é a imagem de nossa realidade, pois nunca mostrou tão fielmente a nossa triste situação como agora. Um morro esquecido e negligenciado, assim como nossa terra. O morro que sangra quando sua areia se esvai, e ninguém faz nada. Essa não é a mesma situação de nossa educação? O RN está em penúltimo lugar no IDEB (Índice Nacional da Educação Básica); Nossa segurança também não agoniza? Nossas estradas também não estão com falência múltipla? Nossa economia também não está pela hora da morte?
O Morro do Careca é apenas um reflexo de nossa região. Uma morte anunciada e assistida por toda população. Suas últimas palavras são para denunciar nosso Estado de abandono.
Já ouviu falar no Cristo Redentor caindo aos pedaços? Ou o Pão de Açúcar? Ou o Elevador Lacerda em Salvador? Não, você nunca vai ouvir isso porque os líderes locais não ousariam serem tão displicentes.
Fico lembrando que na China construíram um hospital com capacidade para 1.000 leitos em 10 dias — na cidade de Wuhan. Aqui, uma licença do Idema não sai com menos de vários meses. O órgão que tenta proteger o meio ambiente está impedindo que se proteja o meio ambiente. Inacreditável. Quem nos protege do Idema?
A imagem do Morro do Careca se deteriorando vai correr todo o mundo levando a impactante mensagem de abandono da região que, aliada a nossa falta de estrutura e insegurança, serão a pá de cal, ou melhor, pá de areia em nosso sofrido turismo.
Só nos resta torcer para que a areia que desliza do morro também seja como numa ampulheta — que venha marcar que o fim deste ciclo de atraso está próximo.
Marcus Aragão